O tempo voa BRAZILIAN AUTHOR

Dora

Nunca consegui gritar para o mundo todo quem eu sou, mas muitos me chamam de Dora. Prazer, não sou nem menina nem menino, sou ambos ao mesmo tempo. Não conseguiria deixar um de lado para abraçar os sentimentos que sinto por outro, Dora não faria isso. Tenho apenas 17 anos, mas sempre me chamaram de maduro ou de velho… Nunca descobri se ser “madura” é tão bom assim. Às vezes parece que me cobro ao máximo como se minha conta do aluguel estivesse atrasada e hoje fosse seu último dia de pagamento, mas às vezes me sinto responsável, focado, determinado, e orgulhoso da minha caminhada até aqui. Sinto que ainda estou caminhando, caminhando aos poucos depois que meu coração foi quebrado em vidros minúsculos. Consigo ver seu brilho derramado naquele chão de madeira antiga, com apenas a luz do sol refletindo seu brilho dourado cor de mel. Onde, a pequena janela estivesse direcionada a aquele coração estraçalhado, coberto de sangue ainda quente. Pulsante ele grita, salta em pequenos passos de uma bailarina ainda jovem, ele grita e grita, mas a janela não poderá mais ser fechada.
Meu pai foi a minha janela.
Uma temperatura difícil de descrever, era como se o mundo tivesse parado naquele momento. Tudo parece neutro, reto, quadrado, o tempo naquele lugar parece ser infinito.
O tempo para.
Só o tempo parece curto para mim? Ele parece uma sombra que me persegue e enlouquece minha cabeça, me pressiona e diz para eu falar, fazer e esperar.
Faça silêncio e escute!
Consegue ouvir?
Falar, fazer e esperar.
Respirar, suspirar, esperar.
Respirar, suspirar…
Respi…
Pirar.
A plateia em minha cabeça não consegue bater se quer uma palma.
A plateia continua a encarar, e eu a encaro de volta. Ficamos sentados ali, naquela sala branca dizendo bilhões de palavras através dos nossos olhares e consigo entender, consigo sentir, consigo saber que não somos idênticos.
Em 4 de abril de 2019 você se jogou da janela do quinto andar. Levou um pedaço do meu coração sem nenhum aviso prévio, e na queda, ele entrou naquela sala com apenas uma janela refletindo seu brilho dourado, cor de mel.
Sua pele fria e seu coração que nem bate mais, se encontrou com meu corpo quente, e com meu manto branco em cima da minha pele preta e suada.
Minha pele preta e manchada.
Minha pele vermelha, seca do meu sangue, coberta por manchas roxas das porradas de vidas passadas.
Sua mão grande e gelada explora esse abismo e descobre o quão linda sua tristeza é. Sua tristeza parece um anjo sem asas, completamente deformada pela sua dor, com suas pernas trêmulas e eu consigo ver o quão linda ela é. Ela olha para mim e sinto como se nossas almas estivessem conectadas.
Viramos e gritamos.
Seus olhos arregalados sugam meu pensamento me deixando de mente branda. Com ela eu não consigo sentir nada, é como se ela soubesse. A paz que entra em meus pulmões me trazem forças para correr a uma floresta adentro e me jogar em um rio fundo o suficiente para me fazer esquecer que preciso voltar e respirar.
Respirar, suspirar, esperar.  
E se você pudesse tocar nele pela última vez?
Tocar uma última vez em seu corpo dolorido.
Está tarde demais minha cara, seu destino agora é deixá-lo ir.
Você não consegue né? Não consegue deixar, não consegue deixar cada toque e cada memória criada ao longo de sua vida com ele. Não consegue deixar ele seguir seu caminho, seu túnel, seu destino.
Corro em um penhasco infinito de pensamentos enquanto o ponteiro gira em volta do sol me fazendo ter medo daquele precipício. Eu paro, olho para baixo e vejo pessoas pulando dele, pessoas pulam sem seus paraquedas deixando seus medos para trás. Como fazem isso? Como conseguem pular? Como não sentem medo? Enquanto me jogo penso em cada passo naquela grama, cada abraço, cada sorriso. Somos distantes um do outro e nos encontramos sozinhos e perdidos.
Minha cabeça dói.
Minhas pernas tremem.
Meu corpo recusa todos os comandos de minha mente, e eu fico ali, olhando seu rosto branco e retangular, seu olhar de um pai em desespero, de um pai prestes a deixar sua filha, de um pai que escolheu deixá-la porque sabia que ela já estava preparada para seguir sozinha.
Estou aqui. Bem ao seu lado, pode deitar em meu braço e chorar o quanto você quiser. Pode molhar minha blusa com suas lágrimas salgadas e sem fim, molhar minha blusa com seu sofrimento, sua dor e sua saudade. Já tive meu coração apertado assim antes.
O tempo para.
E se você pudesse tocar nele?

Meu nome é Isadora Santos de Barros, mas por conta do meu gênero e sexualidade prefiro ser chamado de Dora tendo o pronome Ela/Dela Ele/Dele. Tenho 17 anos, e atualmente estou cursando o 2°ano do ensino médio na escola Edem. Nasci no rio grande do sul e vivo no rio de janeiro no Brasil.
Comecei a escrever pois quando meu pai se suicidou foi uma forma de demonstrar todos os sentimentos que estavam gritando dentro da minha cabeça. Portanto, para mim escrever é uma forma de se conhecer e se conectar melhor com seus pensamentos. Durante a pandemia do COVID-19, comecei a entrar no processo de saber quem realmente é Dora? E através da escrita tento passar um pouco de quem eu sou ou de como eu quero ser. Diante tudo isso descobri que durante nossa caminhada na vida, o que nos faz continuar vivendo e lutando é a pergunta de quem sou eu? Ou quem as pessoas querem que eu seja? E se tudo isso for só uma fachada? Leia meus textos e tire suas próprias conclusões de quem é Dora, pois eu ainda não consegui descobrir. Imagem cedida pelo autor.
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UNDER THE MADNESS
A magazine for teen writers—by teen writers. Under the Madness brings together student editors from across New Hampshire under the mentorship of the state poet laureate to focus on the experiences of teens from around the world. Whether you live in Berlin, NH, or Berlin, Germany—whether you wake up every day in Africa, Asia, Australia, Europe, North or South America—we’re interested in reading you!