Minha Madame Margarida BRAZILIAN AUTHOR

Ellios
Não há palavras nem atos que possam demonstrar a gratidão que tenho por tudo que meu marido fez por mim. Ele sempre esteve ao meu lado, desde quando éramos apenas crianças, quando nem mesmo sabíamos o que era amor.. Até hoje não sei dizer exatamente o que é tal sentimento. Como um ruminante, andei remoendo esse pensamento por longos meses, digerindo-o de novo e de novo. Talvez seja uma resposta não tão fácil de encontrar. Pelo menos, não para mim. Para ele já é mais fácil. Sempre foi mais fácil: “Amor é simples. Se eu mataria por, eu amo”.
Quando mais nova, eu era a pessoa mais sozinha do mundo! Meus colegas não gostavam de mim, até hoje não sei o porquê. Enquanto brincavam, eu ficava próxima a uma árvore conversando com as margaridas:
- Bom dia, madames! Como foram as viagens? Soube que foram para o sul, onde a temperatura é mais amena. O quê?! Vocês planejam ter um filho?! Meus parabéns! Perdão se estiver me intrometendo demais, porém tão cedo assim? A vida já é complicada por si só! Imagine com mais uma cabeça para cuidar! Sim, tem razão! A vida é curta demais para não fazermos o que queremos! Sendo bem sincera . . . Ser mãe sempre foi meu sonho!
- Hey, esquisita! Tá falando com as plantas de novo? - Uma voz me interrompeu de repente. Assustei-me, visto que ninguém falava comigo, muito menos me provocava. Preferiam fazê-lo por minhas costas. - Você é bem sozinha, né? As pessoas sempre falam mal de você. Deve ser odiada por todo mundo. - o garoto comentou, apesar de não soar como se me ridicularizasse.
Na época, eu já sabia de tudo que ele disse. Apesar disso, ainda doía quando alguém comentava. Lembro-me de ter me despedido cordialmente das margaridas e de ter tentado correr de perto daquele menino. Fui interrompida por sua mão segurando meu braço:  
- Eu não disse que era pra você ir embora. - comentou incisivamente - Eu também não falo com ninguém, mas por um motivo contrário ao seu. Eu que odeio todos!
Não sei dizer exatamente o motivo, seja a entonação, a voz, os maneirismos, a intenção, mas aquele menino . . . Ele era diferente dos outros! Nunca havia me sentido dessa maneira. Eu parei de me mover e olhei-o nos olhos pela primeira vez. Nunca me esquecerei daqueles olhos azul-marinho. Olhou-me de volta com tamanha intensidade! O olhar de alguém que nunca desiste até conseguir o que quer.
- Se eles te odeiam, odeie-os de volta! Se não precisam de você, não precise deles. Simples assim.
- E você? É diferente em quê?
- Eu gosto de gente esquisita, e você é esquisita, certo? Simples, então..
- Você fala muito “simples”, não é?
- E você fala muito com plantas, esquisita;
- Pode parar de me chamar assim?
- Tá bom, “Madame Margarida”.
Desde então, eu e esse garoto passamos muito tempo juntos. Trabalhos em grupo, festas do pijama, passeios em parques. Era tão bom estar próxima dele! Era tão bom não estar mais sozinha! Eu não precisava de mais ninguém! Foi por isso que eu acabei ficando tanto tempo sem falar com vocês, minhas madames margaridas . . .  
Sei que é uma desculpa esfarrapada e sei que pode parecer egoísta. Eu só . . . consegui ser feliz, sabe? Pela primeira vez, alguém gostou de mim por quem eu realmente era. Mas agora? Estou sozinha novamente . . . Pelo menos estaria, se não fossem por vocês, madames. Sempre me fizeram companhia quando ninguém mais queria.  
Desculpe por tagarelar tanto . . . Que tal me contarem um pouco sobre como tem sido para vocês? Sério? Querem que eu fale mais de mim? Vocês são realmente tão carinhosas. Pois contarei: Eu e este garoto passamos por muito juntos! Eu sabia . . . Desde a primeira vez que vi aqueles olhos, sabia que o amava. Apenas não entendia isso na época. Éramos apenas nós dois e ninguém mais importava!
Quando estávamos no Ensino Médio, nos beijamos pela primeira vez. Foi um choque! Nunca tínhamos falado sobre esse tipo de coisa antes. Ele apenas me beijou no caminho para casa. Eu não tive muita escolha, mas ele sempre soube o que era melhor para mim, então não recusei seus avanços. Perguntou-me se o namoraria e eu obviamente aceitei! Quanto mais próximos ficávamos, mais meu sonho estava perto de ser realizado!
Quando nos formamos, fugimos de nossas casas e nos casamos! Fomos morar sozinhos em uma pequena cabana em um lugar pacato. A casinha era de um tio dele, que tinha um terreno ali perto. Também não parecia gostar muito de mim. Não que isso fosse alguma novidade, não é? Com exceção de meu parceiro, ninguém gostava. Não havia nada para mim na minha antiga casa, apenas pessoas que nem se importavam comigo, nem aprovavam meu relacionamento. Pois assim seja! Não precisava delas. Só meu namorado importava!  
Agora que vem a parte triste, minhas madames. Nós tentamos várias e várias vezes, porém sem êxito. Como se tentasse segurar um rio com as mãos nuas, meu sonho escapou mais uma vez de meu aperto. Fomos incapazes de ter um filho, um que viesse do meu ventre. Ele me culpou, mas não o condeno por isso. Queria ser pai tanto quanto eu queria ser mãe. Foram anos difíceis, mas conseguimos superar juntos.  
Nossa vida juntos seguiu, como ele mesmo dizia, simples. Eu fazia as tarefas de casa e ele trabalhava no terreno do tio. O parente quase nunca falava comigo e parecia se desentender com o sobrinho diversas vezes. Havia várias situações em que chegava em casa exausto e irritado e ia direto para a sua querida adega de whisky. Gastava mais dinheiro com aquilo do que com qualquer outra coisa! Eu reclamei no início, mas ele sempre dizia a mesma coisa:  
- Olha, é simples! Um homem precisa de alguma coisa para acalmar os nervos. Eu te amo, mas pelo menos enquanto estou bêbado, posso fingir que minha esposa não é estéril. Agora pode me deixar sozinho, por favor? Estou com dor de cabeça!
Não era das coisas mais fáceis de se ouvir, mas eu entendo. Ele não estava se sentindo bem com tudo aquilo. A melhor coisa que eu poderia fazer era deixá-lo fazer o que queria. Afinal, ele sempre sabia o que estava fazendo.
Com o passar dos anos, foi ficando mais tranquilo. Eu nunca conversava com nenhum dos poucos vizinhos, então era sempre silencioso também. Duvido que sabiam da minha existência! Não saía nunca de casa, nem para fazer compras. Meu marido vivia reclamando de fazer tudo sozinho, mas nunca deixava que eu fosse no mercadinho no lugar dele. Dizia que eu compraria tudo errado, que eu não sabia mexer com dinheiro. Estava certo, não sabia mesmo, mas eu não queria deixá-lo sobrecarregado. Já que não podia sair, dava meu melhor para limpar tudo, até o último grão de poeira ou de mato trazidos pelo vento. Queria que quando chegasse, não precisasse se preocupar com nada em casa!
Devo admitir que eu era um pouco egoísta, já que eu não fazia essas tarefas domésticas só por ele. Fazia-as, também, para manter minha cabeça ocupada de alguns pensamentos invasivos. Era nesses momentos em que sentia falta de vocês, madames. Me faltava alguém com quem conversar, então apenas tentava me distrair. Eu até me juntaria a ele no hábito de beber, mas ai de mim se tocasse na coleção de whiskies dele! Concordamos em ficar cada um de nós com suas próprias manias.
Nunca pedi para que gastasse dinheiro comigo. Me virava com o que tinha. Ele não ganhava tão bem trabalhando com o tio, sabe? Se fosse para gastar em alguma coisa não essencial, que fosse em algo que ele gostasse, não comigo. Eu não queria ser egoísta nesse ponto.  
Ah, verdade! Quase me esqueci de lhes contar! Teve o dia em que acordei febril e fiquei o dia inteiro de cama. Mal movia um músculo! Quando chegou do trabalho, gritou-me preocupado:
- Tem alguém nessa casa? Tá tudo uma bagunça aqui! Espero que não tenha saído para vagabundear com algum verme! Eu já trabalho que nem um condenado e você não levanta um dedo para ajudar nessa maldita casa! - Ele gritou sem parar até entrar no quarto e ver o meu estado. Tinham de ver, madames! Ele foi um amor! Cuidou de mim a noite inteira, nem dormiu direito!  
Ele nunca foi muito bom com palavras, mas sempre sabia do que eu precisava. Pôs uma toalha úmida em minha testa e correu para comprar alguns remédios . . . Com o dinheiro da bebida!!! Dá para acreditar?! Sacrificou até o que lhe era de mais importante para cuidar de mim! Ele me amava tanto! Tomamos a sopa que sobrou do dia anterior e ficamos juntinhos até eu melhorar.  
Quando chegou a madrugada, as dores e a febre estavam finalmente indo embora. Virei-me para ele e o abracei e o agradeci profundamente por cuidar tão bem de mim! Ele, cambaleando de sono, respondeu-me:
- Você me deu um baita susto, sabia? Não ouse morrer antes de mim! Eu não saberia o que fazer sem você . . .  
- Essa foi uma das coisas mais doces que você já me disse, amor!
- Você sabe o porquê de eu te amar?
Lembro-me de ter ficado perplexa com a pergunta, ele nunca tinha sido meloso assim comigo! Eu respondi:
- Ao meu ver esse tipo de coisa não tem um porquê . . . Acontece e pronto. Nem eu mesma sei o motivo de te amar, eu só amo.  
- Pra mim é ainda mais simples que isso. Lembra do fundamental? Todo mundo falava mal de você pelas costas, nunca te queriam por perto.
- Lembro-me bem . . .
- Pois é. Eu já te achava bonitinha na época, então ver como te tratavam me deixava com muita raiva. Queria bater neles. Pegar a espingarda do papai e meter chumbo na cabeça de cada um. Foi aí que eu percebi. Eu amava você. Meu pai uma vez me contou: “Se você ama de verdade uma mulher, você caçaria até o último homem do mundo para tê-la em seus braços”. É uma das poucas coisas que aprendi do meu velho. Eu já dei uma surra em alguns dos seus colegas para te defender, mas obviamente nunca matei um deles porque sabia que nunca poderia ter você se estivesse em um reformatório. Olha, eu não sou o melhor do mundo com palavras, mas eu amo você, tá? Por isso, eu te perdoo . . . Por não conseguir engravidar . . .
Estava com lágrimas nos olhos! Ele realmente me amava! Independente de tudo! Estava tão feliz que a febre anterior parecia sumir completamente! Parecia estar no paraíso sem nem mesmo ir para o céu! Dormimos juntos, abraçados, naquela noite! Queria que fosse assim para sempre . . . Mas infelizmente . . . Não pôde ser assim . . .  
Ele se desentendia cada vez mais com o tio e bebia ainda mais quando chegava em casa. Eu não queria me intrometer, prometi para mim mesma que não iria. Apesar da promessa, não pude deixar de perceber que faltavam mantimentos. Não era devido a uma redução no pagamento dele, pois ele sempre aparecia com mais whiskies do que antes . . . Estava virando um problema! Um para nós dois. Entendem-me, madames? E se ele estivesse precisando da minha ajuda? E se tivesse algo que eu pudesse fazer? Meu marido fazia tudo que podia por mim! Ajudou-me quando mais precisava! Era minha vez de retribuir.  
Fui ao escritório dele, mas já estava bêbado:
- Querido? Posso conversar com você um pouco? É importante . . .
- O que é que você quer? Não tá vendo que eu tô ocupado? Vai embora . . .
- Olha, eu sei que você anda se estressando muito com o trabalho, mas não acho que beber tanto assim faz bem para você . . .
- E desde quando você sabe o que é melhor para mim, hein? Não sabe nem parir! E olha que qualquer mulher consegue! Você não sabe de nada! Eu trabalho que nem um desgraçado o dia inteiro todos os dias no sol quente e ainda tenho que aturar o merda do meu tio! Você fica o dia inteiro sem fazer nada em casa!
- Como assim sem fazer nada? Eu limpo a casa toda . . .
- Não me interrompa, que eu tô falando! Sua mãe nunca te deu educação não? Se soubesse que você era igual ao resto das mulheres, eu tinha te deixado para apodrecer com ela.
- Me desculpe, amor . . .
- Ah pronto! Lá vem! Vai inventar de ficar toda emocionada e histérica de novo! É só isso que sabe fazer!
- Eu só queria ajudar você . . .
- Você ajuda mais calando a boca e indo embora! Aproveita que vai e cozinha alguma coisa. Vai te ajudar a se acalmar.
- Era sobre isso que eu vim te falar. Não tem o que cozinhar! Você não fez compras! Gastou todo o dinheiro em bebida! Isso não é saudável para você, amor!
- Tá insinuando que a culpa disso é minha, sua ingrata? Depois de tudo que eu fiz por você, é assim que me trata? - Ele se levantou da cadeira dele e veio na minha direção muito irritado.  
- Não, querido, eu sinto muito . . . Sinto muito mesmo . . .
Enquanto me afastava dele, eu tropecei no tapete e bati com a cabeça em algum lugar. Acho que foi na cabeceira. Fiquei inconsciente. Quando acordei, ele me segurava nos braços, em prantos:
- Meu Deus, amor! O que foi que eu fiz?! Eu sinto muito! Isso não vai acontecer de novo! Foi um acidente! Você me provocou e foi no calor do momento! Me desculpa! Eu vou mudar! Vou parar de beber! Por você, meu amor, eu juro!
Eu entendo ele ter ficado preocupado comigo, mas não havia motivo para tantas desculpas. Eu apenas tropecei. A culpa foi minha, no final das contas. Eu realmente o provoquei. Eu teria dito isso na hora, mas estava com muita dor para falar..
Ele me pôs na cama com todo carinho do mundo e cuidou de mim:
- Promete que nunca vai contar isso para ninguém? Foi para o seu bem, você sabe disso, não é?
Não tinha para quem contar, nem motivos para fazê-lo. Foi apenas um acidente doméstico bobo. Nada de mais. Meu marido nunca faria nada para me machucar . . . né? Não, ele não faria! Nunca o fez, nunca o fará. Ele me ama. Ele mesmo disse isso. Não digam coisas estúpidas, madame!
Deixe-me prosseguir a história. Depois do acidente, acabei com muita dificuldade de fazer as tarefas domésticas que sempre fiz com facilidade. Além de não conseguir enxergar com o olho esquerdo, sentia muita dor. Muita dor mesmo. Deve ter sido uma baita pancada, mas foi apenas um acidente.
Eu queria ir a um hospital. Acho que estava com uma infecção  mas ele não me deixou. Disse que era apenas o jeito do corpo de se curar, que não era preciso ir tão longe só por conta de um acidente bobo. Óbvio que eu o obedeci, madames! Ele sempre soube o que era melhor para mim! Obedecer ao seu marido é um dos principais deveres de uma boa esposa!
Ele andava bem angustiado. Apenas chegava em casa aborrecido e ia direto em direção à adega de whiskies, onde ficava o resto do dia. Sim, eu sei que ele prometeu parar, mas hábitos são difíceis de cessar assim do nada! Ele estava tentando . . . Eu acho . . .
Dei meu melhor para manter tudo arrumado e pronto antes de meu marido chegar do expediente. Também para não fazer um único ruído após chegasse. Ele precisava de um pouco de silêncio para variar. Li em algum lugar que o silêncio ajuda a relaxar. Talvez até fosse bom para que parasse de beber! Apesar de tudo, meu melhor não era mais o suficiente. Sempre havia ou um lugar que precisasse de faxina, ou roupas que não eram recolhidas do varal, ou refeições que eram mal temperadas. Parecia tudo tão caótico para mim!
Sempre que encontrava uma dessas pequenas tarefas incompletas, se irritava muito. Dizia coisas horríveis, mas eu sei que não era o que realmente sentia. Era apenas o estresse do trabalho falando mais alto. Ele nunca pensaria essas coisas sobre mim. Não de coração, pelo menos! O que estão insinuando? Ele obviamente me ama, madames! Sempre amou e sempre vai amar! Estão  chamando-o de mentiroso?! Estão *me* chamando de mentirosa?! Isso é inadmissível! Se somos boas amigas, vocês irão me escutar e acreditar em mim e no meu querido marido! E então? Posso continuar? Ou serei interrompida novamente por suas acusações sem evidência nenhuma? Acho bom! Irei prosseguir . . .
Meu olho ficava cada vez pior. Perdi a noção de profundidade e as dores não paravam! Não conseguia nem dormir mais. Ele dizia que não tinha mais dinheiro para o remédio com uma garrafa recém-comprada na mão. Apesar disso, estava tudo bem! Ele estava dando o melhor dele. Antes eram sempre duas garrafas! Agora é só uma! É um começo!
Graças à minha condição, acabava me envolvendo em mais acidentes como o último. Uma vez, fui tirar a poeira da adega enquanto meu marido preenchia uma papelada e acabei tropeçando em cima dela. O móvel cambaleou, mas não tombou. Eu por outro lado cai. Ele ficou extremamente estressado. Gritou sobre o quanto aquela adega era custosa e que eu estava sendo desleixada. Quando me levantei, meu ombro estava deslocado. Deve ter sido a queda. Pedi ajuda, mas ele disse estar ocupado. Acabei voltando com o braço machucado e tentando finalizar as tarefas que me faltavam.
Os dias passavam e eu sempre acordava no dia seguinte com mais machucados e contusões. Algo sempre parecia tão nebuloso em minha memória, pois nunca lembrava de sua origem. Talvez fosse a idade . . . O quê? Como estou me sentindo agora? Obrigado por perguntarem, madames. Não sinto dor, só estou um pouco cansada e com frio. Não deve ser nada demais. Estou acabando a história, deixe-me terminar . . .
Ao me ver naquele estado deplorável, meu marido resolveu me chamar para um passeio no bosque próximo. Disse que tinha uma surpresa para mim. Eu claramente aceitei! Nós não saíamos juntos desde o Ensino Médio! Era quase um sonho para uma mulher problemática como eu.
Sim, eu sei que não fui capaz de gerar um filho, mas quando uma janela se fecha, outra se abre! Eu já me sentia tão mal em relação a tudo que acontecia, então só queria passar mais tempo ao lado de quem mais amo! Não trocaria por mais nada . . .
Foi numa noite estrelada. Ele dirigiu comigo até a entrada do bosque e fomos andando lentamente. Eu estava bem cansada, mas ele acompanhou meus passos lentos. Subimos a trilha do bosque, chegando quase ao topo de um morrinho. Alguma coisa no rosto dele me incomodava. Parecia preocupado com algo. Talvez fosse comigo. Não gostava de pensar muito sobre, mas acho que não viveria por muito tempo. Sempre preferi aproveitar o tempo que tinha ao invés de lamentar o inevitável.
Enquanto andávamos, ele me abraçou e me disse para ir em direção até a borda e olhar para baixo. Daquele ângulo, podia ver muito bem. Lá embaixo havia um pequeno jardim natural de margaridas! Sim, isso mesmo! Vocês, minhas madames margaridas! Ele me trouxe até vocês! Lágrimas me escorriam dos olhos. As pernas cansadas quase não me respondiam mais. Meus braços fracos e doídos mal levantavam. Meu rosto que, antes, já foi visto por meu marido como belo, agora, era apenas um conjunto deformado de roxo e vermelho. Tentei virar-me em direção a ele para abraçá-lo novamente, mas algo me empurrou.  
O mundo parecia mais lento, nem havia percebido o que realmente acontecera. Vi pela última vez o rosto do meu amado. Sua expressão de preocupação e medo lentamente se tornando indiferença. Será que foi algo que eu fiz? Deve ter sido. Meu marido nunca me faria mal algum . . . Eu caí em cima de vocês enquanto estavam dormindo, madames.
Algumas horas depois, o sol nasceu. Foi quando vocês acordaram e vieram me acudir. É bom poder conversar com vocês uma última vez. Só queria ter meu marido ao meu lado. Tenho certeza que ele foi correndo em busca de ajuda . . . Ele sempre cuidou de mim! Como assim, madames? Ele não me empurrou . . . Eu só devo ter tropeçado. Foi apenas um acidente, assim como todos os outros. Só um acidente . . .
Este tempo que passei conversando com vocês foi muito agradável. Pôr a conversa em dia, não é? Senti falta disso. Depois que me casei, acabei ficando sem tempo para cuidar de mim mesma. Mamãe sempre dizia que quando se vira adulto, não sobra tempo para mais nada, nem as pequenas alegrias. Acho que estava certa, ha ha . . . Pensando melhor, sinto falta dela . . . Espero que esteja bem.
Sinto que tenho tempo para refletir sobre coisas que nunca tive tempo antes. Sabe quando lhes disse sobre o significado do amor? Acho que finalmente tenho uma resposta. Para meu marido, amar significa alguém por quem matar. Para mim, significa alguém por quem morrer. Eu facilmente me entregaria aos mares só para ter certeza que meu marido viveria uma boa e longa vida. Sem a bebida, sem os estresses do trabalho, sem tudo que o incomoda, incluindo a mim mesma. Acho que foi uma boa epifania!
Eu estou com sono, madames. Acho que vou dormir um pouco . . . Eu sei que meu marido vai voltar para me ajudar, mas . . . enquanto ele não chega, me façam companhia, por favor. Eu não quero ficar sozinha . . . Por favor . . . Não me deixem sozinha . . .
Meu nome é Gabriel Lima de Souza. Eu nasci e cresci no Rio de Janeiro, mais especificamente, na Ilha do Governador. Fui diagnosticado com 2 anos de idade com TDAH. Por causa disso e por outros motivos, eu nunca me dei bem com meus colegas da educação infantil, com os do ensino fundamental nem com meu pai. Minha mãe sempre foi meu porto-seguro, emocionalmente falando, em muitas ocasiões. Eu sempre fui uma criança sozinha, então sempre gostei de fazer coisas sozinho, principalmente atividades que aflorassem ainda mais minha imaginação fértil. Eu sempre gostei de criar histórias. Eu desenhava personagens de mídias que eu gostava e contava histórias novas usando eles e as vezes até criava personagens próprios. Eu tinha vários cadernos de desenhos com essas histórias, mas meu pai os jogou fora. Eu sempre fui uma pessoa sozinha, mas acabei encontrando bons amigos com o passar do tempo e aprendi a amar a mim mesmo apesar de tudo. Ainda sou apaixonado por contar histórias e adoro jogar jogos com meus amigos onde criamos personagens em um mundo fantasioso e contamos uma história juntos. Eu recentemente comecei a escrever um livro sobre essa história. Se chama Rosas do Deserto. Eu fiquei interessado na proposta da revista, não para conseguir publicidade, mas para melhorar minha escrita, conseguir experiência. Eu amo a literatura brasileira e já li diversos clássicos, assim como literaturas modernas. Parte da minha experiência vem dessas literaturas. Eu não pretendo ser escritor, não como profissão, pelo menos. Quero que seja meu hobbie! Eu atualmente sou estudante de psicologia na UERJ, apesar de não terem começado as aulas ainda! Imagem cedida pelo autor.
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UNDER THE MADNESS
A magazine for teen writers—by teen writers. Under the Madness brings together student editors from across New Hampshire under the mentorship of the state poet laureate to focus on the experiences of teens from around the world. Whether you live in Berlin, NH, or Berlin, Germany—whether you wake up every day in Africa, Asia, Australia, Europe, North or South America—we’re interested in reading you!