Marcelo BRAZILIAN AUTHOR

Cotta
Comecei mal.  
Nascia mais um doente,
Eu nasci no hospital
Nasci chorando,
Pra acostumar.
Hospital é lugar de morrer  
Ou de se recuperar?
Vish,
Vai vendo...
Nunca me recuperei,
Já nasci morrendo.
Olho ao redor e percebo
Que foi só mais uma infância  
Frustrada, marcada, quebrada;
Vendo meus pais caindo na porrada.
Só tinha meses  
e ouvia mais gritos que um psiquiatra.
Angústia, mágoas, delírios
E as lágrimas sempre presente em meus cílios.
Meus pais se separaram cedo.
Meu pai só via uma vez no ano.
Minha mãe, só me batia.
Corri a quem me mostrava mais simpatia,
Comecei morar com minha tia.
E ela chegava em casa falando:
"Meu garotão!"
Só tinha seis anos:
Às vezes era gigolô,
Às vezes era cafetão.
Me comprava com balas, biscoitos e ameaças.  
Ter atenção da minha família eu nunca pude
Mas cada ida a casa da minha vó  
Era uma ida a Hollywood.
Assim começou meus vícios.
Logo após fugi de casa.
Tava na hora,
Tava cansado de levar coça.
Com sete anos,  
Mesmo sem saber ler,  
Aprendi que a vida era uma escola.
E quantas provas eu já passei na cola…
Falando em escola,
Eu tinha uma lista de exercícios (proibida).
Eu assaltava mesmo,  
Pra fome não roubar minha vida.
Aos onze nada mudou,
Eu enrolava, enrolava...
A fumaça subia
Mas era eu que me queimava.
Aos quinze a polícia me batia todo dia.
Eu só vivia manco.
Não importa a cor da minha pele,
meu nariz
Sempre tava branco.
Logo após isso veio o espanto.
Me apaixonei.
Namorei.
E engravidei uma menina de classe média.
Minha vida mudou muito aos dezessete.
Comecei a trabalhar.
Me limpei.
E aluguei uma kitnet.
Estava tudo bem, tudo bem...
Até os 19,
Minha mulher fugiu com meu filho  
E deixou um bilhete
Dizendo que não queria lhe dar uma infância pobre.
Fiquei perdido no deserto
E me enchi de pó.
Que virava lama
Com as lágrimas que caíam do meu rosto.
Estava sozinho em casa
E eu gritava:  
"Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaah!"
Ficava só ouvindo o eco.
Queria ensinar meu moleque a jogar bolinha de gude,
Mas eu que tava lá dando teco.
 
Piorou cada vez mais.
Não aguentei o baque.
Queria ensinar meu moleque a jogar bola
Mas eu que tava treinando meu crack.
Me afogando na cachaça e no vinho,
Tropeçando em cada pedra que via no caminho.
Não sou saci
Nem preto velho
Mas tava sempre com cachimbo.
Eu já devi e fugi
De todas as bocas de fumo do Rio de Janeiro.
Com vinte cinco anos,
Minhas maiores conquistas foram sobreviver
As sete tentativas de suicídios,
Três overdoses,
E as oito balas perdidas,
Que foram achadas pelo meu corpo.
Além disso meu cafofo,
Embaixo do viaduto do Alcântara,
Entraram mais cinco tiros pra conta.
Minha vida está acabada.
Meu nome é Marcelo.
E sou só mais um morador de rua irrelevante pra você...
Que morreu na semana passada.

Cotta tem 23 anos é poeta, Slammaster do Paz em Guerra e criou o Slam Quarentena que foi a primeira batalha de poesias por lives no Brasil, desde 2016 vive intensamente a poesia falada, em 2018 representou o seu estado (Rio de Janeiro) no Regional de poesia em dupla e esse ano está classificado para SlamBR (nacional de poesia falada), também trabalha com intervenções/oficinas em escolas e faculdades. Photo credit: @luzcameraedinosauros
The Author
Read More
UNDER THE MADNESS
A magazine for teen writers—by teen writers. Under the Madness brings together student editors from across New Hampshire under the mentorship of the state poet laureate to focus on the experiences of teens from around the world. Whether you live in Berlin, NH, or Berlin, Germany—whether you wake up every day in Africa, Asia, Australia, Europe, North or South America—we’re interested in reading you!